sexta-feira, 18 de março de 2011

Entrevista: Padilha fala sobre PPPs, SUS e regulação

por Verena Souza

17/03/2011
Ministro da Saúde expôs as pespectivas do setor de saúde no Brasil e as iniciativas de seu governo

Durante coletiva de imprensa em "Seminário sobre as perspectivas do setor de saúde no Brasil", realizado nesta última quarta-feira (16), em São Paulo, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, falou sobre a importância das Parcerias Públicos Privadas (PPPs), Sistema Único de Saúde (SUS), regulamentações, relação entre público e privado, entre outros temas.

Confira a entrevista:

Quanto às políticas de prevenção à saúde, o que o governo tem feito?

O Ministério tem R$ 60 milhões em edital aberto para municípios e estados apresentarem projetos. Nossa política de atenção primária busca estimular a promoção à saúde. Na Estratégia de Saúde da Família incorporamos, além de médicos e enfermeiros, fisioterapeutas, professores de educação física, terapeutas ocupacionais. Além disso, em abril, vamos lançar novas medidas de promoção à saúde.

Faremos um acordo com a indústria de alimentos para a redução de sódio nos alimentos. Vamos lançar uma grande campanha para a promoção de alimentação e hábitos saudáveis. Há também o plano de redução de gorduras, mas ainda não tem um prazo fechado.

ONU

Este ano, vamos ter uma grande oportunidade no Brasil. Em setembro, a Assembleia Geral da ONU pela terceira vez vai incorporar o tema da saúde nas discussões com os chefes de Estado. Na década de 80 foi a poliomielite, nos anos 90 foi a AIDS e, agora, é a vez das doenças crônicas não transmissíveis.

Com essa mudança demográfica, tendo em vista o envelhecimento da população mundial, percebe-se que haverá epidemias de doenças crônicas não transmissíveis como obesidade, hipertensão e diabetes, em um futuro próximo.

O Brasil, dessa forma, está se antecipando a um risco real, saindo na frente para o enfretamento deste problema. O Ministério também tem um programa para construir academias de saúde, próximas às unidade básicas de saúde para estimular atividades físicas para a população.

Com a ampliação do acesso. Quais as oportunidades que vão surgir?

Investimentos em saúde e educação são os que mais retornam para o crescimento do PIB no País, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Investir em saúde é criar um novo mercado de usuários de equipamentos de saúde, insumos e medicamentos. Essa dimensão econômica da saúde no crescimento econômico do Brasil é fundamental. Além disso, investir em saúde é criar um ambiente para o desenvolvimento do País.

Hoje, existem 31 mil equipes de saúde da família no Brasil, atendendo 100 milhões de pessoas com atenção básica. Estamos ampliando fortemente o acesso. As indústrias farmacêuticas e de equipamentos tem de perceber esse mercado que se amplia e os governos continuarem a fazer políticas para garantir a ampliação.

O Ministério passa a usar o poder de compra para a ampliação de quimioterápicos para neoplasias, por exemplo, e o introduz no mercado. Isso significa que a indústria, percebendo tal iniciativa, invista em políticas de redução de preços. Isso é um mercado novo que se abre para o setor.

PPPs, Regulação e indústria

Hoje, o Ministério da Saúde, Ciência e Tecnologia e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) investem cerca de R$ 7 bilhões em um conjunto de Parcerias Público Privadas (PPPs) que envolvam a indústria farmacêutica, seja de empresas nacionais ou internacionais, para se associarem a laboratórios públicos para a produção de medicamentos no Brasil. O exemplo mais recente refere-se ao antiviral Tenofovir, que combate a AIDS.

Em janeiro, assinamos uma PPP entre uma indústria farmacêutica internacional e um laboratório público de Minas Gerais, com financiamento do governo federal e o BNDES.

O conjunto de PPPs é uma grande oportunidade. Nós devemos ter nos próximos dois anos cerca de 19 a 20 produtos que vão perder suas patentes. Isso vai abrir espaço para a produção nacional, inclusive para genéricos. Além de ser oportunidade também para a inovação e incorporação tecnológica.

Outro aspecto que gera oportunidades é questão da regulação - seja por meio das agências vinculadas ou pelo próprio Ministério. Isso tem um impacto positivo no estímulo à produção nacional e parcerias. Nós abrimos uma agenda com a indústria sobre pontos importantes no marco regulatório que precisamos avançar.

Firmamos um contrato com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de gestão, que prevê um rito mais rápido no processo de registro produtos, insumos, medicamentos e equipamentos. Não queremos que um medicamento para tuberculose demore o mesmo tempo que um cosmético.

Existe um grupo de trabalho com a Anvisa para estudar melhores políticas de rastreabilidade de medicamentos brasileiros no Brasil.

Qual a importância do SUS?

É unânime a importância do SUS para todos os gestores de saúde. Precisamos aprimorar o processo de descentralização da gestão. Vamos construir com estados e municípios contratos mais sólidos que estabeleçam não só os repasses de recursos, mas também metas a serem cumpridas. Está em debate a ideia de uma lei de responsabilidade sanitária no País, onde a União, estados e municípios tenham metas a serem cumpridas e, dessa forma, os investimentos sejam direcionados de acordo com o cumprimento dessas metas.

Quanto ao ressarcimento dos planos ao SUS. Tem alguma conversa?

Em primeiro lugar precisamos qualificar as informações. Principal desafio do SUS, da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), e das operadoras é fazer com que as informações dos usuários em comum sejam mais claras. Para isso, o Datasus precisa ser aprimorado, principalmente com relação às internações hospitalares e procedimentos de alta complexidade - principais motivos para que um paciente de planos busque o atendimento no SUS.

Cartão SUS x operadoras

O processo de implantação do Cartão Nacional de Saúde vai envolver as operadoras de planos de saúde, para que elas distribuam também aos seus usuários. Quando houver uma solicitação de internação SUS ou procedimento de alta complexidade, o número do cartão deverá ser exigido.

Além disso, precisamos cada vez mais estabelecer uma relação de complementaridade. O gestor municipal e estadual tem de perceber que, muitas vezes, existe uma demanda grande pelo SUS e uma oferta grande na saúde suplementar. Neste caso, é preciso uma ação de complementaridade entre eles.

Saúde Não Tem Preço

Padilha aproveitou a oportunidade da coletiva para divulgar o balanço do programa "Saúde Não Tem Preço" lançado no início do governo da presidente Dilma Rousseff.

Depois de 30 dias, o programa, que atende 15 mil farmácias brasileiras, obteve aumento de 61% na distribuição gratuita de medicamentos contra hipertensão e 51% para diabéticos. Foram 1,920 milhão de pessoas beneficiadas pela iniciativa.

Medicamentos para outras patologias, da rede de farmácias populares, também apresentaram avanços. Em relação aos medicamentos para asma, subsidiados em até 90% pelo governo, registraram aumento de 54% na distribuição.

"O programa ampliou não só o acesso para os remédios contra hipertensão e diabetes, como também para outras patologias subsidiadas. Em Roraima, por exemplo, houve aumento do acesso em mais de 1000%", afirmou Padilha.

Padilha deixou claro que o governo estuda a possibilidade de subsidiar outros medicamentos.

sexta-feira, 4 de março de 2011

Hospitais e operadoras em busca do equilíbrio


A discussão, hoje, das entidades de classe e agências reguladoras é como alterar o cenário de vale-tudo para uma relação ganha-ganha

Em 2006, Michael Porter já apontava um problema no modelo de remuneração das assistências médicas, em sua obra "Repensando a saúde". Para o estudioso, os hospitais deveriam medir e divulgar os resultados médicos, a fim de garantir uma negociação de custo baseado no valor.

Mais tarde, em 2008, foi a vez do pesquisador Clayton Christensen avaliar o setor. Em sua obra "Inovação na Gestão da Saúde", o acadêmico concorda com Porter e diz que a receita para reduzir os custos e aumentar a qualidade do serviço no setor está em abolir o pagamento por serviço prestado. Para Christensen, a ausência de um modelo de gestão inovador na indústria da saúde - em muitos casos por conta do ambiente regulatório engessado - é a razão pela a qual a saúde é cada vez mais insustentável do ponto de vista financeiro. Isto mostra que o dilema da relação fonte pagadora e instituições de saúde é um problema mundial há anos.

No Brasil, as operadoras de saúde remuneram os hospitais com base em pacotes ou diárias globais. Este modelo, de acordo com Henrique Salvador, presidente do conselho deliberativo da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), faz com que a saúde suplementar divida com os hospitais o risco assumido com os beneficiários. "O grande desafio é ter entre os elos da cadeia a medida exata do compartilhamento do risco", sinaliza o executivo.

E a "medida exata" é justamente o que determinará a margem de cada player. Neste sentido, o cenário atual é de vale-tudo: hospitais incorporando assistência médica no negócio ou operadoras verticalizando operação com rede própria. Existem ainda os casos em que há uma tentativa dos hospitais de negociar as tabelas.

É por isso que a Agência Nacional de Saúde (ANS), que regulamenta a saúde suplementar, instaurou um grupo técnico, formado por representantes de entidades hospitalares e de operadoras de planos de saúde, que tem como objetivo definir um novo modelo para a sistemática de remuneração dos hospitais que atuam com a saúde suplementar.

De acordo com a agência, atualmente, os preços dos serviços hospitalares estão, em grande parte, dissociados dos custos de sua prestação. Isso porque, ao longo das duas últimas décadas vem ocorrendo uma contenção dos valores das diárias e de diversas taxas de serviços hospitalares. Ao mesmo tempo, houve aumento significativo das despesas com insumos (materiais, medicamentos, órteses, próteses e materiais especiais - OPME), onde está concentrada a principal parcela das margens dos hospitais. Diante dessa situação, foi gerado um estímulo para o uso de insumos com relação custo-benefício mais perversa para o sistema de saúde, que acarretou em aumento dos custos assistenciais e fez com que parte dos recursos disponíveis, que seria destinada aos honorários médicos, fosse direcionada para o custeio dos insumos.

Esse grupo de trabalho da ANS visa desenvolver novas sistemáticas que remunerem os hospitais adequadamente pelos serviços prestados, tornando esses a sua fonte de receita primária. Em consequência, os beneficiários terão maior poder de escolha com base em padrões e na qualidade dos serviços prestados.

Entre as ideias que surgem nestas discussões, Salvador defende a existência de um diálogo diferente entre os hospitais privados e as operadoras para estabelecer a compra e a venda. "Levando-se em consideração escala, estratégias de mercado e acordos de cooperação para melhorar a competitividade de ambos em determinado mercado", pondera o presidente da ANAHP.

Mas dentro da cadeia não existe apenas hospital e operadora, nas relações que impactam o negócio. Há também o papel do médico, o consumidor de produtos hospitalares. Por isso, Salvador avalia que é preciso alinhar os objetivos do corpo clínico com a estratégia do hospital. "O caminho é investir em gestão do corpo clínico, para assegurar que a conduta caminhe conforme os protocolos médicos, bem como ter os médicos imbuídos no espírito da melhor relação custo-benefício", conta.

Enquanto um novo formato de remuneração da saúde suplementar está sendo avaliado pelo governo, hospitais e os sistemas de saúde buscam alternativas diariamente.

Estreitamento da relação com as operadoras

Na Casa de Saúde de São José, do Rio de Janeiro, os canais de relacionamento com as assistências médicas passaram a ser assunto estratégico. Sendo assim, mais do que receita os planos são agora parceiros. De acordo com o diretor executivo da instituição, André Gall, houve um esforço para criar diferenciais e benefícios mútuos, que vão desde a regularização dos acordos verbais em formais e atualização dos contatos mais antigos. "Somos muito mais receptivos a atender aos pedidos das operadoras para qualquer necessidade especial que a mesma venha a ter, desde que esta ação gere benefícios para ambas as partes", posiciona-se.

É por isso que a instituição está implantando um projeto de gestão do relacionamento com o cliente junto às operadoras de saúde parceiras. Isto diminui o impacto de negativa de exames, insumos, procedimentos e consultas, por exemplo. Afinal, existem protocolos e pacotes negociados previamente junto às operadoras de saúde, que são acordados com os médicos assistentes. "Trabalhamos de forma extremamente transparente com o médico assistente e familiar, após esgotarmos todas as possibilidades de resolução do problema junto às operadoras de saúde", conta Gall.

Mais do que isso, é feito um trabalho preventivo às restrições das operadoras no momento do pré-agendamento e nas reuniões com o corpo clínico. O estreitamento na relação fez com que o hospital aumentasse em 10% o número de operadoras, saltando de 58, em 2009, para 64, em 2010. "Reduzimos o percentual de glosa e criamos espaços dentro de nossa estrutura para os grandes parceiros instalarem unidades de atendimento aos seus segurados e médicos credenciados, criando facilidades para ambos", conta o diretor, justificando a crescente procura por operadoras.

Com mais de 2 mil médicos e mil colaboradores, a Casa de Saúde de São José realiza 300 partos e 2.100 cirurgias por mês. Para o executivo, o desafio sobre o modelo de remuneração entre as operadoras e hospitais deve resultar em um novo modelo, em que a saúde suplementar tem saúde financeira para manter sua solvência sem afetar a qualidade da assistência prestada ao paciente. Para isso, é preciso "Criar indicadores assistenciais que permitam não só as operadoras de saúde, mas aos clientes (médicos e pacientes) escolher a instituição onde fará seu tratamento pela qualidade do serviço prestado e não pela aparência que o serviço demonstra", acredita Gall.
Para estabelecer uma relação de confiança junto à saúde suplementar, o diretor executivo avalia que são necessários desenvolver quatro caminhos:

Transparência na relação;
Criação de um relatório com os indicadores de desempenho assistencial e financeiro para as operadoras de saúde, para que façam a diferenciação entre seus prestadores e com isso possam tratar os desiguais de maneira desigual;
Compartilhamento do risco;
Aproximação das empresas contratantes, oferecendo um serviço de prevenção aos funcionários das mesmas.

Negociação de contrato

Gerenciando uma carteira de 21 operadoras credenciadas, o Hospital Santa Catarina de Blumenau, localizado na região sul do País, trabalha com contratos estabelecidos de acordo com a resolução normativa 42, da ANS. No entanto, mesmo com todas as regras previstas e com uma relação de transparência, existem problemas, como atraso nos pagamentos, glosas indevidas e dificuldades de autorização de procedimentos e exames. Na opinião do diretor de negócios da instituição, Maciel Costa,a padronização de insumos e o uso de protocolos técnicos são os principais mecanismos para minimizar o conflito diário entre hospitais e operadoras. "O profissional de saúde estabelece o uso de determinado insumo ou procedimento sob determinada perspectiva técnica. A visão da operadora pode ser oposta, o que instala um conflito muito comum no dia a dia das organizações hospitalares", exemplifica o executivo.

Ao usar o conceito de diária global como forma de remuneração, o hospital é pago pelo serviço prestado. Por isso, torna-se crucial estabelecer protocolos de uso de medicamentos de alto custo, por exemplo. "Na prática, as ações visam otimizar os recursos financeiros que permeiam a relação prestador/operadora", pontua o diretor.

Do ponto de vista assistencial, o hospital adotou, por exemplo, desde 2007, a prática das metas internacionais de segurança, como identificação de risco dos pacientes, melhora da segurança de medicamentos de alta vigilância, entre outros. O objetivo deste tipo de ação não se restringe apenas à qualidade assistencial, como também à melhor performance dos custos hospitalares. "Além de garantir a qualidade e a segurança na assistência, conseguimos contribuir significativamente para a otimização dos custos dos serviços", conta Costa.
Entretanto, o gerenciamento dos custos e as melhorias no processo assistencial não garantem necessariamente uma negociação favorável de contrato junto às operadoras de saúde, segundo Costa. Isto porque ainda existem mercados em que há uma concentração e domínio de poucas assistências. "Quando se otimiza o processo, consegue-se otimizar custos por meio da resolutividade. No entanto, esta é uma prática que ainda não é muito reconhecida pelas operadoras no momento da negociação em algumas regiões, que não conseguem um diferencial de remuneração por apresentar estas melhores práticas", pontua.
Diálogo e padronização

A Bradesco Saúde, que também é controladora da Mediservice, entende que o principal desafio na relação entre hospitais e operadoras está em acelerar a mudança da sistemática de remuneração do setor. Para o presidente da Bradesco Saúde e Mediservice, Marcio Coriolano, já se faz urgente a migração do atual "fee for service" para um padrão de pagamento por pacotes, entre outros modelos que favoreçam a excelência dos serviços com maior previsibilidade de custos assistenciais. "Essa migração torna-se cada vez mais necessária em função das taxas da inflação médica que são sistematicamente superiores às dos índices gerais de preços, o que ameaça o orçamento das empresas e das famílias que são destinados à assistência médico-hospitalar privada", defende.

Mesmo diante deste cenário, os custos médico-hospitalares da carteira de planos de saúde da Mediservice ficaram estáveis no ano passado, enquanto o aumento de custos no mercado tem sido de cerca de 8 a 10% anuais. O executivo aponta que o controle financeiro foi baseado em uma relação de transparência, diálogo e negociação junto às instituições hospitalares.

Apesar de a Mediservice ter 271 mil vidas, a Bradesco Saúde já soma 2,5 milhões de segurados. De acordo com Coriolano, a escala que o grupo Bradesco proporciona favorece nas negociações de tabelas, que por fazerem parte do mesmo grupo não podem ter custos substancialmente diferentes. "O trabalho desenvolvido, e aceito pelos estabelecimentos hospitalares, foi o de aproximar ao máximo as tabelas da Bradesco Saúde e da Mediservice e adotar pacotes já experimentados pelas duas. Foi fruto de diálogo com os hospitais, clínicas e laboratórios", explica.

Além do trabalho de equiparação de custos, o presidente acredita que a adoção dos projetos de padronização de informações e nomenclaturas da ANS, a TISS e a TUSS, proporcionou ganho em eficiência para a equipe de gestão médica com a padronização de apresentação e análise de contas médicas, o que contribuiu para facilitar o relacionamento com a rede credenciada. "A TISS e a TUSS vieram para padronizar procedimentos administrativos e operacionais e, dessa forma, reduzir custos e burocracias", conclui.