quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Entendendo os Negócios em Saúde


As empresas de saúde precisam ter saúde para sobreviverem e cumprirem com seu papel. Ter saúde pode, de forma simplificada, ser entendido como ser próspero. Mas o que faz diferença neste setor para se ter um negócio próspero?

A questão é bastante ampla e complexa, pois existem muitos fatores que irão influenciar os resultados de um negócio em saúde. Sabemos sobre a necessidade de se ter custos muito bem administrados, processos e fluxos internos bem planejados e cumpridos, tecnologia apropriada de equipamentos e no uso da informação, estrutura física e recursos adequados, posicionamento de marketing e comunicação específicos, direcionamento claro das tomadas de decisão, entre outros.

Antes de continuar com essa análise, e ir direto ao que realmente entendo que faz a diferença, vale a pena uma rápida reflexão do que vem a significar ser próspero na área. De forma simplificada, é possível dizer que prosperidade é algo que traz resultados positivos para todos os stakeholders, como donos/acionistas, funcionários, médicos, pacientes, fornecedores, meio ambiente, sociedade e governo. Isso significa contribuir efetivamente para todos os envolvidos.

Como estamos falando sobre saúde, esse é um negócio que precisa efetivamente ajudar no processo de cura das pessoas. Assim, entre os muitos elementos importantes da sua gestão, dois podem fazer a diferença. O primeiro deles é a atuação (e por que não dizer, união) entre médicos e profissionais de saúde envolvidos; e o segundo elemento é a real intenção desses envolvidos.

Os estudiosos da cadeia de valor em saúde percebem que um médico costuma ter um grande poder de influência, já que é por ele que quase sempre passa a especificação e/ou o direcionamento das necessidades dos pacientes. Incentivar o melhor de cada médico envolvido é essencial para o sucesso de qualquer negócio. Para fazer isso, é importante entender a realidade desta classe profissional e o que pode ser feito para auxiliá-la. Assim como em qualquer profissão, e com a medicina não é diferente, existem profissionais que colaboram e que "atrapalham" os processos. Mais do que isso, um mesmo médico pode contribuir de um jeito ou resistir de outro, dependendo da situação. Neste momento é importante: 1) fugir de qualquer estereótipo ou julgamento; e 2) focar nas formas que podem estimular as qualidades desses profissionais. Isso pode ser feito a partir de várias ferramentas que incluem educação, diálogo, programas de relacionamento, sistemas de informação, lógica e valores de remuneração, coaching, entre outros.

Já tive a oportunidade de presenciar diversas situações de conflitos e ouvir muitas opiniões em relação aos médicos. Essas diferentes idéias, vindas de profissionais e dirigentes de empresas que atuam na área de saúde, indicam os médicos às vezes como uma solução e outras como um problema deste setor. Entendo que o médico seja parte dos dois lados em questão e, portanto, cabe aos dirigentes puxar o melhor desses profissionais para que a solução prevaleça. Diretamente relacionado a esta necessidade, temos o segundo ponto que faz a diferença nos negócios em saúde: a real intenção por detrás da empresa.

Esta intenção pode até estar expressa na missão, visão e valores da organização, mas o fato de estar escrito não significa que ela seja verdadeira. Para gerar efetivo resultado, essas idéias precisam estar incorporadas nas decisões e nos atos, principalmente naqueles oriundos da liderança. Clareza nas ações, compromisso positivo e integridade são os elementos que inspirarão os médicos e todas as pessoas envolvidas a dar o seu melhor e, assim, contribuir à cura do paciente, seja em uma atuação direta ou indireta.

A intenção "positiva" é tão importante quanto difícil, pois envolve um determinado nível de consciência das pessoas envolvidas. Nem sempre estamos maduros para reconhecer e admitir as limitações ou contradições das nossas intenções, sendo necessário um trabalho específico para que isso seja atingido. Um dos primeiros passos nesta direção é fazer um diagnóstico de todas as incoerências da empresa, já que a verdade não está naquilo que é dito, mas sim naquilo que acontece na prática. É preciso coragem para se fazer um trabalho cuja finalidade é olhar para os fatos que não condizem com as intenções. Entretanto, é daí que vem uma certeza e força de vontade para fazer o que precisa ser feito. Por si só, esta atitude inicial gera uma força que influencia no despertar da motivação interna de cada um.

De maneira concreta, entendo que a empresa, seja um hospital, um sistema pagador, uma indústria farmacêutica, um laboratório de análises clínicas, ou qualquer outra organização da área, tem que decidir para qual direção seguir, fugindo daquelas "belas frases" e daquilo que os outros gostam de ouvir. Só existe uma coisa que pode inspirar e estimular o comportamento positivo e engajado de forma perene de um diretor, de um médico e de qualquer ser humano: é a sensação da certeza de seu valor, que é o próprio valor humano na prática. O levantamento da realidade e da verdade da organização, sem busca de culpados, admitindo os problemas que acontecem, mesmo que não sejam agradáveis de se ver, é a porta de entrada para este novo ambiente.

Com um profissional e uma intenção bem equalizados, todos os outros itens necessários tendem a acontecer de forma melhor. E a combinação disso tudo junto é que vai gerar um negócio próspero na área de saúde. Se você tiver dúvidas sobre as possibilidades, uma pergunta pode ajudá-lo: em que tipo de empresa você gostaria de passar o resto de sua vida? Se você quiser fazer parte de uma empresa que privilegia o seu compromisso com as pessoas e com a intenção de ajudar na cura, então provavelmente você encontrará outros ao seu redor que também queiram. Assim, já começou o ciclo da prosperidade.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Médicos não podem prescrever órteses e próteses pela marca


Objetivo é reduzir os conflitos existentes entre médicos e operadoras de planos de saúde, e também com instituições públicas

O Conselho Federal de Medicina (CFM) aprovou resolução que veda aos médicos a indicação expressa de marca comercial quando prescreverem órteses, próteses ou materiais implantáveis. De acordo com a norma, cabe ao médico determinar as características dos produtos (tipo, matéria prima e dimensões, por exemplo), mas as opções devem ser justificadas clinicamente.

De acordo com o conselheiro Antônio Pinheiro, coordenador da comissão que elaborou a resolução, o objetivo é reduzir os conflitos existentes entre médicos e operadoras de planos de saúde, e também com instituições públicas. Além disso,evitar que médicos requisitem produtos de determinadas marcas em troca de benefícios eventualmente oferecidos por fabricantes.

As autorizações e as negativas de fornecimento do material requisitado deverão ser acompanhadas do parecer de um médico, identificado por nome e número de inscrição profissional no CRM - tanto em operadoras de planos de saúde quanto em instituições públicas.

Ainda segundo o CFM, quando julgar inadequado ou deficiente o material implantável ou o instrumental oferecido, o médico requisitante poderá recusá-lo e indicar à operadora ou instituição pública pelo menos três marcas, quando possível de diferentes fabricantes diferentes - os produtos devem ser considerados regulares pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e correspondentes às características especificadas previamente.

A recusa deve ser documentada e, se o motivo for deficiência ou defeito material, os documentos devem ser encaminhados pelo médico ou pelo diretor técnico da instituição hospitalar à Anvisa, diretamente ou por meio da Câmara Técnica de implantes da Associação Médica Brasileira (AMB).

Se persistir a divergência entre o médico requisitante e a operadora do plano de saúde (ou a instituição pública), deverá, de comum acordo, ser escolhido um árbitro para decidir no caso - médico especialista na área, que será remunerado pelo trabalho. A decisão deverá ser tomada em até cinco dias úteis, a contar da data de conhecimento da questão pelo responsável pela arbitragem. Segue, abaixo, a resolução em sua íntegra:

RESOLUÇÃO CFM N° 1.956/2010

(Publicada no D.O.U., de 25 de outubro de 2010, Seção I, p. 126)
Disciplina a prescrição de materiais implantáveis, órteses e próteses e determina arbitragem de especialista quando houver conflito.
O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, no uso das atribuições conferidas pela Lei n° 3.268, de 30 de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto n° 44.045, de 19 de julho de 1958, respectiva e posteriormente alterada pela Lei n° 11.000, de 15 de dezembro de 2004, e Decreto n° 6.821, de 14 de abril de 2009, e
CONSIDERANDO que o médico deve, em benefício do seu paciente, agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade;
CONSIDERANDO que o médico não pode renunciar à sua liberdade profissional, evitando que quaisquer restrições ou imposições possam prejudicar a eficácia e a correção de seu trabalho;
CONSIDERANDO que para tal deve aprimorar-se continuamente quanto aos seus conhecimentos técnicos e ao progresso da ciência médica;
CONSIDERANDO que é direito do médico indicar o procedimento adequado ao paciente, observadas as práticas reconhecidamente aceitas e respeitadas as normas legais vigentes no país;
CONSIDERANDO que é dever do médico utilizar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento a seu alcance em favor do paciente;
CONSIDERANDO que a Resolução CFM nº 1.614/01 disciplina a função de auditoria médica;
CONSIDERANDO que é imperiosa a garantia de acesso aos médicos e, por conseguinte, aos pacientes, da evolução tecnológica comprovada cientificamente e liberada para uso no país;
CONSIDERANDO que é vedado ao médico obter qualquer forma de lucro ou vantagem pela comercialização de medicamentos, órteses, próteses, materiais especiais ou artigos implantáveis de qualquer natureza, cuja compra decorra de influência direta em virtude de sua atividade profissional;
CONSIDERANDO que reconhecidamente há conflitos de ordens diversas entre médicos assistentes e operadoras de planos de saúde, como também instituições públicas da área, quando da indicação para uso de órteses, próteses e materiais implantáveis;
CONSIDERANDO que, de acordo com a Resolução CFM n° 1.804/06, os artigos implantáveis são utilizados sob a supervisão e responsabilidade do diretor técnico do hospital ou outro médico por ele indicado;
CONSIDERANDO a necessidade de declaração de conflito de interesses na área de pesquisa, produção científica e educação continuada para maior transparência e imparcialidade na atividade profissional;
CONSIDERANDO que deve ser respeitado o direito do paciente em receber informações quanto ao seu diagnóstico, prognóstico, riscos e objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta possa lhe provocar dano, devendo, neste caso, ser feita a comunicação a seu representante legal;
CONSIDERANDO, finalmente, o decidido na sessão plenária realizada em 7 de outubro de 2010,
RESOLVE:
Art. 1° Cabe ao médico assistente determinar as características (tipo, matéria-prima, dimensões) das órteses, próteses e materiais especiais implantáveis, bem como o instrumental compatível, necessário e adequado à execução do procedimento.
Art. 2° O médico assistente requisitante deve justificar clinicamente a sua indicação, observadas as práticas cientificamente reconhecidas e as legislações vigentes no país.
Art. 3° É vedado ao médico assistente requisitante exigir fornecedor ou marca comercial exclusivos.
Art. 4° As autorizações ou negativas devem ser acompanhadas de parecer identificado com o nome e número de inscrição no Conselho Regional de Medicina do médico responsável pelo mesmo.
Art. 5° O médico assistente requisitante pode, quando julgar inadequado ou deficiente o material implantável, bem como o instrumental disponibilizado, recusá-los e oferecer à operadora ou instituição pública pelo menos três marcas de produtos de fabricantes diferentes, quando disponíveis, regularizados juntos à Anvisa e que atendam às características previamente especificadas.
Parágrafo único. Nesta circunstância, a recusa deve ser documentada e se o motivo for a deficiência ou o defeito material a documentação deve ser encaminhada pelo médico assistente ou pelo diretor técnico da instituição hospitalar diretamente à Anvisa, ou por meio da câmara técnica de implantes da AMB (implantes@amb.org.br), para as providências cabíveis.
Art. 6° Caso persista a divergência entre o médico assistente requisitante e a operadora ou instituição pública, deverá, de comum acordo, ser escolhido um médico especialista na área, para a decisão.
§ 1° Esta decisão não deverá ultrapassar o prazo de cinco dias úteis, contados a partir do conhecimento do responsável pela arbitragem.
§ 2° Cabe arbitragem mesmo nas situações de emergências, quando não for possível pré-autorização e tenha sido usado o material implantável, órtese ou prótese.
§ 3º O médico que atua como árbitro tem direito a remuneração.
Art. 7º Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação e revoga os dispositivos em contrário.
Brasília-DF, 7 de outubro de 2010

ROBERTO LUIZ D'AVILA HENRIQUE BATISTA E SILVA
Presidente Secretário-geral


terça-feira, 19 de outubro de 2010

Valor e qualidade ao paciente como novo desafio da gestão em saúde

Publico, na íntegra, a entrevista do Guru da Estratégia, Michael Porter, à revista EXAME, edição 907 / Ano 41 Nº23 em 05/12/07; falando deste novo modelo competitivo.

A palestra de Porter encerrou em grande estilo o terceiro e último encontro de Repensando a Saúde, evento promovido pela Amil com o objetivo de discutir problemas e apontar soluções para aprimorar o sistema brasileiro de saúde. Nas duas primeiras etapas – realizadas em julho e setembro, em São Paulo e no Rio de Janeiro – os principais agentes do setor protagonizaram os debates. E parte desta reflexão foi levada a Porter, que após sua exposição respondeu a perguntas formuladas por Antonio Jorge Kropt, diretor técnico da Amil Brasil, que atuou como mediador nas três etapas do projeto. Nas páginas seguintes, além de um resumo das instigantes idéias debatidas no evento, você terá a oportunidade de ler uma entrevista exclusiva com Michael Porter, na qual ela defende a necessidade de colocar a teoria em prática e, assim, “fazer acontecer”.

A primeira apresentação coube a Rob Dhole, presidente da divisão de saúde do Omnicom Group, conglomerado de comunicação e marketing que atua em mais de cem países e controla algumas das maiores agências especializadas em saúde. “Há duas coisas que não devem ser feitas numa palestra”, disse Dhole, olhando para o relógio. “Uma é falar quando estão todos com fome, a outra é falar sobre estratégia antes de Michael Porter.”

Embora tenha tomado base seu livro sobre competição no setor, Porter incluiu insights sobre o modelo brasileiro de saúde em sua palestra.

Foi a senha para ganhar a simpatia da audiência para sua exposição sobre o papel da propaganda como força complementar às campanhas públicas que informam a população sobre prevenção e cuidados com a saúde. “Informações para os pacientes são fundamentais, mas a motivação vem da estratégia e da arte de uma boa propaganda”, afirmou Dhole, para quem questões de foro pessoal, como parar de fumar, são mais difíceis de combater. “Será que sempre cuidamos de nossa saúde como deveríamos: Com um estímulo grande e uma boa propaganda é bem mais fácil. Alguns anúncios são nitidamente de ajuda pública”, concluiu ele.

MODELO ANALÍTICO

Presidente do Grupo Amil e autor da apresentação da edição brasileira do livro de Porter sobre a saúde, Edson Bueno subiu ao palco para dar as boas vindas ao aguardado convidado da noite. “Não existe maneira de fazer qualquer análise no sistema de saúde sem passar pelo modelo Porter”, disse Bueno, antes de anunciar aquele que “é considerado o estrategista e guru número um da atualidade.”

Entre tímido e vaidoso, como a maioria dos intelectuais, Porter agradeceu os elogios, olhou rapidamente para o horizonte e logo deu início à sua densa exposição da necessidade de adotar uma nova perspectiva para encarar a saúde, com foco na geração de valor ao paciente. “As pessoas querem saúde, e não o sistema de saúde, remédios e tratamentos. O problema é que não estamos organizados para oferecer um atendimento melhor. Estamos prestando os serviços de forma arcaica e ineficiente, com um pensamento empresarial de séculos atrás”, afirmou. “O Brasil tem médicos, hospitais e remédios ótimos. Mas falta estratégia, visão de como transformar a saúde no país, produzindo os resultados que precisamos.”

Porter acredita ser possível transformar o sistema de saúde não apenas no Brasil, mas em qualquer país. Segundo ele, para isso é preciso mudar a organização do sistema como um todo, sempre tendo em vista a geração do valor. Na opinião do acadêmico, hoje aquilo que o paciente recebe não é suficiente em comparação ao dinheiro gasto.

Afinal, o que deve ser feito para melhorar o valor e diminuir os gastos? Para Porter, cortar custos não é a melhor maneira de solucionar o problema. Mas sim oferecer saúde de melhor qualidade. “O nível de saúde tem de ser melhor para o avanço de todo o sistema. Prevenção, impedir que as doenças aconteçam – vacinas, campanhas, detecção precoce -,isso é bem mais barato e eficiente. Se a doença é descoberta tarde, é muito mais caro e debilitante para o paciente e todo o sistema.”

VISÃO INTEGRADA

Embora defenda a cobertura universal da saúde pelos seguros privados como essencial para o bom funcionamento do sistema, Porter acredita que isso não basta, uma vez que não garante a reforma estrutural do setor de cuidados com a saúde. “O problema é mais profundo e diz respeito ao valor real do serviço prestado”, conceitua. Um de seus argumentos centrais é que a política de incentivos no sistema de saúde está equivocada. “O médico hoje não é recompensado por oferecer valor, nem as seguradoras. A concorrência é de soma zero, não cria valor e ninguém ganha. Assim os serviços ficam restritos e não se tem solução.”

Para ele, o fim da soma zero requer uma mudança de atitude. “Hoje o médico é pago por atendimento, e não por reduzir preços e aumentar valor, o que está muito errado. Precisamos unir esforços para competir e gerar valor para o paciente, melhorando assim todo o sistema.”, defende Porter, para quem a organização da prestação de serviços é a única maneira de oferecer valor ao paciente.

Isso passa, necessariamente, por uma nova visão do sistema, mais integrada, na qual os atendimentos e cuidados com a saúde devem estar coordenados e interligados para tratar o paciente ao longo do tempo. “Assim, pode-se gerar bons resultados para os pacientes e custos mais baixos, ou seja, uma performance eficiente.”

Na opinião de Porter, é preciso haver um ciclo de atendimento para todas as patologias: prevenção, triagem, diagnóstico, tratamento. E, claro, bom gerenciamento. A adoção de uma nova perspectiva sistêmica, de longo prazo, permitiria investir no ciclo de tratamento, com benefícios para todos. “O ciclo tem de ter equipes dedicadas a tratar bem o paciente e combater o sistema fragmentado que existe hoje”, explica ele, para quem a concorrência entre os prestadores de serviços deve ser regional e nacional, não apenas local.”O sistema deve, sim, estar mais próximo dos pacientes, mas a concorrência deve ser mais ampla.” Porter acredita que o uso da tecnologia da informação pode ajudar nesse sentido, oferecendo acesso universal a prontuários eletrônicos, melhor coordenação e possibilidade de acompanhamento de todos. “O Brasil entendeu essa questão e já tem boas iniciativas nesse sentido.”, elogiou.

Depois de dizer que a tomada de decisões estratégicas não pode ser feita com base em conveniências – até porque o consumidor, maior interessado na própria saúde, está cada vez mais exigente -, Porter aproveitou para provocar os gestores brasileiros da área da saúde. “Alguns líderes brasileiros pensam que pagando mal aos médicos estão fazendo um ótimo negócio, mas aí o profissional tem de correr, arranjar três empregos, e atende os pacientes de maneira rápida e pouco eficiente. Isso causa a soma zero.”, resumiu ele, defendendo a necessidade de mudar o sistema. “Mas estou otimista”, concluiu, ao comentar que muitas iniciativas positivas de mudança na área da saúde têm ocorrido em diversos setores e em vários países.

Logo que terminou sua exposição, o pesquisador americano, que atua como consultor de empresa e governos, respondeu a questões complexas que surgiram nas duas etapas anteriores do evento Repensando a Saúde. Formuladas por Antonio Jorge Kropf, diretor técnico da Amil, as perguntas permitiram ampliar a reflexão sobre os numerosos desafios que estão na ordem do dia dos profissionais da saúde – desde como aplicar o conceito de valor de paciente crônico em fase terminal até como mudar o atual modelo de remuneração do sistema.

Um dos temas abordados foi como lidar com a informação médica, considerando o direito do paciente à privacidade e a necessidade do sistema de dispor de informações confiáveis para oferecer um tratamento melhor. Porter defendeu uma abordagem similar a que rege o sigilo bancário, com o uso de senhas por exemplo. Embora reconheça que existam riscos de má utilização dessas informações, ele afirma que devemos confiar na tecnologia computacional. Afinal, sustenta, “o risco de receber um cuidado ruim é maior que o de perder a privacidade.”

Outra questão polêmica levantada foi como convencer os pacientes e demais envolvidos no sistema de saúde sobre o valor do atendimento primário, em unidades integradas de atendimento. Para Porter, o atendimento primário é o que tem maior valor em qualquer sistema de saúde. “No Brasil muita gente não passa por um atendimento primário e vai direto a um especialista, às vezes por motivos errados. Na Suécia e na Alemanha, onde os resultados são bons e os custos baixos, o que torna os sistemas de saúde eficientes é o fácil acesso e a alta qualidade do atendimento primário.” Ainda assim, Porter defendeu que mesmo os cuidados primários devem ter algum tipo de especialização e citou o bem-sucedido modelo adotado pelos países escandinavos.

Promover mudanças profundas não demanda apenas conhecimento e determinação. Muitas vezes a maior barreira a superar é de ordem cultural. “Tenho certeza que você será um dos líderes desse processo no Brasil.”, disse Porter a Antonio Jorge. “Os planos de saúde nos Estados Unidos estão encarando a mudança de uma maneira muito lenta. Eles estão sofrendo para mudar de mentalidade”, disse Porter, para quem a tendência ainda é fazer com que o consumidor pague mais. “Queremos tomar remédios? Queremos ir ao médico? Claro que não! O que queremos é jogar golfe”, concluiu ele, arrancando risos de cumplicidade da platéia.

QUESTÃO DE PRINCÍPIO

“O desafio agora não é mais a radiografia do sistema. A teoria está posta. A tarefa agora é fazer acontecer”, afirma Michael Porter

Em 2004, quando publicou, com Elizabeth Teisberg, um artigo sobre competição no sistema de saúde, Michael Porter achou que não voltaria mais ao assunto. “Estava pessimista. Parecia impossível promover as mudanças necessárias.” Felizmente ele estava errado: nesses três anos, não apenas aprofundou o estudo da saúde como entrou em contato com experiências bem-sucedidas de reestruturação no setor. E foi para falar sobre sua visão estratégica de saúde que Porter abriu uma brecha em sua concorrida agenda e nos concedeu a seguinte entrevista exclusiva.

Se, como o senhor afirma, saúde de qualidade custa menos, não haverá, a longo prazo, menos dinheiro no sistema?

Não devemos assumir que o dinheiro é fixo ou diminuirá. O Brasil, por exemplo, ainda gasta pouco em saúde comparado com outros países. E está se tornando mais rico, o padrão de vida das pessoas vem aumentando. É provável que o país venha a gastar mais com a saúde. E talvez devesse, pois há muitos brasileiros que não tem acesso a bons cuidados. Acho natural que, à medida que uma sociedade enriquece, gaste mais com a saúde.

O senhor tem estudado a saúde em diferentes países. O que aprendeu com esta experiência? Existe um modelo único de sucesso?

Eu acho que é um pouco como a Teoria das Cindo Forças (modelo competitivo criado por Porter em 1979). Não há um único modelo, que se possa dizer: aplique-o a todos os países. O que vemos é que há alguns princípios. Existem princípios sobre o sistema de seguros, sobre como definir cobertura, sobre como fornecedores devem estruturar suas operações, princípios sobre planos de saúde. Toda situação será sempre um pouco diferente, mas passei a acreditar que existem princípios de valor que são universais. Eles se aplicam à Suécia, à Suíça...

Mesmo para sistemas públicos?

Sim. Acreditamos que o fato do sistema ser privado ou governamental não é importante. Trata-se de algo quase secundário. O que importa é como o cuidado à saúde é organizado, a natureza dos reembolsos, a habilidade de integrar o tratamento ao longo do ciclo. Descobrimos que há surpreendentemente pequenas diferenças entre público e privado, nesse campo. Então nosso foco recaiu nos princípios que alinham a entrega da saúde com valor.

E, quanto ao pagamento dos profissionais e das empresas da área da saúde, faz diferença o sistema ser público, privado ou misto?

No Japão, os seguros são provados, alguns dos hospitais são públicos e outros privados. Na Holanda. Muitas partes do sistema são particulares, mas os seguros são públicos. Existe todo tipo de mix. Não é tanto o caso de quem paga quem, mas como se paga. Falamos muito sobre o modelo de pagamento por serviço, que não funciona.

Explique melhor, por favor.

Não importa se você é o governo brasileiro pagando a taxa por serviço do SUS, ou se é o Medicare dos Estados Unidos pagando uma taxa por serviço a um hospital particular. É o modelo de pagamento por serviço que está equivocado, não quem paga. Nós acreditamos que os princípios que organizam a saúde se aplicam a todo tipo de sistema, não importa quem seja seu dono. O desafio é partir de onde se está hoje para as modificações. Os desafios de implementação no Reino Unido, onde a maior parte do sistema é operada pelo governo, são distintos dos de Taiwan, por exemplo, onde muitos dos hospitais são privados.

O senhor poderia resumir estes desafios?

O desafio agora não é a radiografia do sistema. O desafio real é a implementação. Como você de fato mede resultados, coleta dados, verifica e publica essas informações, como ajusta o risco... Acho que são questões organizacionais, técnicas e médicas. Tenho um colega em Harvard – Jim Kim, um reconhecido líder em saúde global - que diz que precisamos criar uma nova ciência da entrega. Não sei se devemos chamá-la assim, mas acredito que ele está certo. Acho que a ciência médica evoluiu muito mais do que as organizações, em termos estratégicos. Acho que uma reestruturação é necessária.

E o que pode ser feito nesse sentido?

Agora a tarefa não é a teoria, pois a teoria está posta. A tarefa agora é fazer acontecer. Vou dar um curso em janeiro, em Harvard, sobre a entrega de valor em saúde, com dez bem-sucedidos estudos de caso. Daí entenderemos melhor como as coisas funcionam.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Modelo de remuneração: avança discussão sobre novo formato


Debate avança na ANS, mas para AMB o modelo de remuneração ainda não está "claro"

Estamos na fase de detalhar como isso vai acontecer e não de discutir se vai acontecer”, afirmou o gerente médico da Unidade de Perdizes do Hospital Israelita Albert Einstein , Ary Ribeiro sobre a discussão da mudança de modelo de remuneração. O executivo faz parte do grupo de trabalho sobre o assunto na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e participou do debate sobre o tema no 10º Fórum Anahp, promovido pela Associação Nacional dos Hospitais Privados, na manhã desta quinta-feira (14), em São Paulo.

De acordo com Ribeiro, a primeira rodada do grupo de trabalho já foi concluída e agora há a discussão em torno das diretrizes e rumos com as premissas para um novo modelo, etapa que deve estar concluída entre o final deste ano e o começo de 2011.

Com o debate avançado, Ribeiro apontou os possíveis impactos que a mudança do modelo de remuneração poderá ter na gestão do hospital. Segundo ele, os aspectos são: gestão efetiva de corpo clínico, avaliação criteriosa na incorporação de tecnologia, transparência nos dados e resultados, foco em ações de educação e prevenção, uso de guidelines para serviços de elevado custo e doenças crônicas, entre outros. O executivo ainda ressaltou a importância de se discutir com a indústria os materiais especiais e insumos de alto custo.

Profissionais

Apesar das discussões avançadas, sobretudo no que tange operadoras e hospitais, o debate especifico com a classe médica ainda é polêmico. Para o diretor da Associação Médica Brasileira (AMB), Florisval Meinão, não está clara a questão de remuneração para entidade.

“ É preciso ter algum mecanismo que determine o reajuste anual para os médicos”, contou o executivo, acrescentando que se comparado com a inflação do período desde a criação da ANS (2000-2010), ficou em 90% o reajuste dos planos individuais e 140% e os coletivos bem acima, alguns médicos tiveram a tabela reajustada enquanto outros ficaram com os valores congelados. Meinão explicou que em pesquisa da AMB, a média desse reajuste ficou em 60%, mas não é fácil de mensurar, uma vez que alguns contratos tiveram acréscimo e outros não.

O executivo falou que uma das dificuldades de discutir o assunto com os profissionais são formatos já adotados no passado. “Existe hoje na classe médica uma resistência em mudança no modelo de remuneração porque o que já veio foram coisas muito prejudiciais como os pacotes, por exemplo”.

Meinão acredita que a ANS deve regular também a questão de reajuste das operadoras com os médicos e diz que isso já está previsto na resolução normativa n º 71, apesar de não especificar critérios, sobre o tema , o representante da autarquia, Antonio Carlos Endrigo, disse que não cabe a Agência regular essa relação. Já Ribeiro, acrescentou que no grupo de trabalho não há a representação de uma entidade de classe , mas que essa integração deve acontecer em breve.